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Ao menos uma CENTENA de mulheres sofreram ataques sexuais em Colônia, na Alemanha. Muitas denunciaram que os ataques foram perpetrados por homens árabes e do norte da África, e é preciso ter a real noção da dimensão disso.

Não se sabe (ainda) se os “homens árabes e do norte da África” eram imigrantes mais antigos, imigrantes recentes ou mesmo refugiados – pese as últimas informações indicarem que refugiados tenham participado dos ataques -, mas penso que é uma questão subsidiária.

O importante é entender os efeitos e também as causas.

Zizek, em brilhante artigo no fim do ano passado, lembrou da necessidade de se resgatar os valores ocidentais/europeus diante do influxo de imigrantes e refugiados. Não se trata de negar a entrada dos refugiados, mas de exigir padrões mínimos de convivência.

Não é novidade que o Oriente Médio está anos – quiçá décadas – atrasado em relação a diversos temas sociais, notadamente na questão do respeito e dos direitos das mulheres. Muitos imigrantes e refugiados chegam à Europa com uma visão distante da europeia do papel da mulher e tem dificuldades de integração – este recente ataque é um exemplo disso. O mesmo vale para questões ligados à sexualidade ou aos direitos LGBTs.

A Alemanha acerta ao receber refugiados, porém o governo não foi capaz ainda de analisar os efeitos desse refúgio para a coesão social do país (e da Europa) e nem formas de garantir a manutenção da coesão social. Muito fala-se na dicotomia entre integração e multiculturalismo, Zizek e Merkel concordam, ainda que por razões diferentes, que multiculturalismo não funciona. É preciso (mais) integração.

Eu vejo a necessidade de algo entre integração e multiculturalismo. É preciso respeitar as diferenças, até mesmo promovê-las, mas dentro dos marcos de um processo de integração, ou seja, é preciso aceitar o diferente DESDE QUE o diferente não vá de encontro com as bases fundamentais da sociedade europeia/ocidental. Música, cultura, mesmo traços culturais diversos são um acréscimo à cultura receptora, mas costumes baseados no desrespeito aos direitos das mulheres, LGBTs e etc não podem ser tolerados.

Não há multiculturalismo que possa passar por cima de abusos contra direitos humanos. Não pode e nem deve.

A mutilação genital feminina, por exemplo, é algo que faz parte da “cultura” de alguns povos, mas não pode ser tolerada na sociedade europeia. O imigrante/refugiado que chega à Europa deve ter isto em mente ou então voltar a seu país. A França, terra do laicismo (pese seus exageros e contradições) não tolera a Burka, logo, não cabe à imigrantes ou refugiados se considerarem perseguidos. Seus costumes (minoritários mesmo dentro da própria comunidade) não podem prevalecer sobre os costumes da sociedade hospedeira e dos valores fundamentais de respeito aos direitos humanos.

Não é um tema fácil, por vezes nem coisas óbvias como Burkas ou mutilação genital são simples de debater – especialmente quando discursos pós-modernos tomam conta. Os imigrantes e refugiados precisam ser tratados não como coitados, mas como seres pensantes e iguais, capazes de travar um debate sobre si e sobre sua cultura (e sobre a cultura que os recebe).

De um lado temos a direita que desumaniza o imigrante – se for negro “melhor” ainda -, que o trata como uma coisa, que mantém firme o discurso de “defesa” frente à “invasão” de imigrantes, em geral fugindo da fome, da guerra, em busca de melhores condições de vida…
Do outro lado temos setores da esquerda – e muitos comentadores de internet – que se limitam a considerar o imigrante um pobre coitado desesperado com direito a viver na Europa e ser recebido de braços abertos. Tratar como “pobre coitado” é, também, uma forma de desumanização.

E digo isso porque tanto o processo de infantilização quanto de desumanização tem, no fim, o mesmo resultado: Torna o imigrante/refugiado um incapaz. Impede que sua situação seja debatida e mesmo (ou especialmente) que ele tome parte nos debates sobre si. É preciso humanizar o imigrante para debater nossas brechas culturais – e para deixar claro o que podemos e não podemos aceitar.

Como disse o Zizek, a Europa não pode ter medo de impor seus valores em sua própria terra.

Cabe lembrar que buscar uma “nova vida” é algo que todos sonhamos, mas não é um “direito”. Infelizmente é a dura realidade.  Buscar refúgio sim é um direito, mas mesmo aí há limites – como o respeito pelas leis e costumes do país receptor. E precisamos levar o debate para marcos e “standards” mais elevados se quisermos ter um futuro.

É fato que há parcelas de imigrantes (e mesmo de muita gente de esquerda) que encara a onda de imigração atual como uma “resposta”, um “payback” pelo que os europeus fizeram com o resto do mundo por séculos.

Sem dúvida podemos enxergar a questão assim, mas então damos de cara com uma parede. Qual a solução? A anulação da Europa? Uma punição coletiva à milhões de pessoas pelos erros de seus antepassados (e pelos erros contínuos de muitos líderes atuais)? O que tal atitude traz de bom para o mundo senão mais desagregação, tornando-se um não-debate?

Feita esta introdução, reposto aqui texto que escrevi ano passado para o Brasil Post/Huffington Post que amplia alguns dos pontos (post este que era já uma versão mais elaborada e ampla de outro escrito para o Amalgama focando mais na questão muçulmana):

Precisamos falar sobre imigração: Europa, crise humanitária e o debate ignorado
 
A primeira coisa que precisamos entender sobre os imigrantes que tentam chegar da África e Oriente Médio à Europa, em muitos casos morrendo pelo caminho, abandonados, afogados, queimados, em total desespero, é que não se tratam nem de pobres coitados, e nem de não-humanos ou “coisas”.

Estas são as duas posições majoritárias na maioria dos debates. Eles são apenas humanos, diferentes entre si, com histórias únicas, com passados e futuros distintos. São como nós.

De um lado temos a direita que desumaniza o imigrante – se for negro “melhor” ainda -, que o trata como uma coisa, que mantém firme o discurso de “defesa” frente à “invasão” de imigrantes, em geral fugindo da fome, da guerra, em busca de melhores condições de vida…

Do outro lado temos setores da esquerda – e muitos comentadores de internet – que se limitam a considerar o imigrante um pobre coitado desesperado com direito a viver na Europa e ser recebido de braços abertos. Tratar como “pobre coitado” é, também, uma forma de desumanização.

A verdade é que imigração não é uma crise temporária, mas uma crise permanente em que nós escolhemos não mais resgatar essas pessoas, logo, mais irão morrer. Como acabamos nesse vácuo moral em que perdemos qualquer senso de conexão com outros seres humanos? É muito simples: Pessoas que não são seres humanos não precisam de direitos, ou qualquer simpatia, então nós as desumanizamos através de linguagens políticas e pessoais. Nós falamos deles como doenças, como contágio, como vírus. Eles não são nós. Eles não podem se tornar nós.

Um debate sério

Ambos os lados, por vezes, esquecem de ir mais fundo no problema. Sim, existe uma invasão, mas longe de uma “invasão bárbara”, trata-se da chegada de um número insustentável de pessoas com línguas diferentes, culturas diferentes, realidades e situações diferentes que causam prejuízo tanto à nação hospedeira quando à nação que deixaram, que se ressente da perda. Não, não estou dizendo que migração seja um fenômeno ruim, até porque é apenas um fenômeno natural e que carrega consigo muitos pontos positivos e mesmo necessários para a sobrevivência da espécie humana, mas sim que em excesso, causa problemas.

Não há um número “ideal” de imigrantes que um país possa/deva receber, o fato é que migração é uma realidade, mesmo uma necessidade. A questão é: Qual o limite? E não falo apenas em termos quantitativos, mas qualitativos. Para ambos os lados. Cérebros de países africanos ou do Oriente Médio migram para a Europa por mil razões, deixando seu país natal órfão de cérebros para facilitar seu crescimento, construção ou reconstrução. Fogem de guerra, de baixos salários, de violência, insegurança ou apenas porque não são valorizados.

Muitas vezes não são valorizados também no país hospedeiro, são vistos como pragas, como “ladrões de emprego”, mesmo que muitas vezes só consigam sub-empregos ou aqueles empregos que o nativo não quer. A visão do imigrante, em geral, tem se tornado negativa. Não importa mais se qualificado ou não, se necessitando escapar ou não. A ideia é a de que mesmo hoje num sub-emprego, amanhã seu filho terá condições de disputar com o nativo, tomando seu “lugar de direito”. Desperdiçamos desta maneira o imigrante e o imigrante passa a ele próprio se sentir desperdiçado.

Engana-se quem pensa que emigrar é algo simples, uma decisão que se tome sem pensar num estalo e que não tem consequências. Há consequências, muitas, especialmente para quem migra, como já descreveram Said, Gilroy, Kristeva e tantos outros estudiosos do assunto. Ser diáspora não é, enfim, fácil ou simples.

Crise e choque

Não podemos desprezar o fator do choque cultural, que existe. Mulheres de burka nas ruas de uma cidade europeia, pequenas cidades onde por vezes ouve-se mais um ou vários idiomas estrangeiros que o local e até algo mais perigoso, como movimentos de fanáticos que querem impor a sharia em países como a Bélgica.

2015-04-23-1429816032-3963357-294861hxbc3w.jpgEste é um lado, existe outro, obviamente, como esta campanha, “I am immigrant” ou “eu sou imigrante” demonstra com perfeição:

Precisamos pular do discurso vergonhoso do imigrante como inimigo e do discurso fácil apenas de direitos, sem a exigência também de responsabilidades e contrapartidas.

Há uma crise migratória e uma crise humanitária – ou mesmo colapso – porque é fato que o fluxo migratório para a Europa não é de migrantes que vão por vontade, mas porque são empurrados em sua maioria – ao menos no que tange a migração que vem da Síria, da Líbia, de regiões africanas e do Oriente Médio em meio a conflitos sangrentos, fome, miséria. A questão é, cabe à Europa (e EUA) criar as condições para que a migração seja fato natural e não “invasão”, ou seja, parar de manipular política e economicamente países mais pobres para que funcionam sob seu controle e vontade.

Cada vez que os EUA ou a Europa derrubam ou sustentam um ditador, um governo, mais a imigração de pessoas desesperadas cresce. Fome, pobreza, falta de oportunidade, o mundo seria muito melhor não se todos estes que fogem desses problemas entrassem na Europa, mas se estes tivessem condições para alterar essa realidade em seus países.

Mas é bom ter em mente que o problema não é apenas na Europa (pese a mídia ter um foco eurocêntrico), mas na África do Sul, por exemplo, há uma crise clara em que sul-africanos adotam políticas ou ações xenófobas contra imigrantes de outros países africanos. É uma crise ou colapso global. Estamos falando da migração em massa e sem qualquer controle (pese não sem precedentes) de populações fugindo de conflitos e situações que, em muitos casos, são reflexo ainda dos processos de colonização e pressões/atuação europeia/americana constante.

O problema é mais que óbvio

A grande questão aqui é a da crise do capitalismo (crescimento canceroso, como bem colocou Meszarós), de uma crise sistêmica que impõe guerras em troco de reconstrução e, com isso, gira as engrenagens de diversas indústrias. O “dano colateral” – para além do óbvio – é a migração.

Enquanto diversos lados buscam tentar resolver o problema na ponta final da cadeia, poucos efetivamente observam que o problema está no começo da cadeia, na própria ideia de se fazer guerra para solucionar conflitos anteriores, de acirrar ânimos étnicos/ideológicos para fabricar conflitos, de sustentar parte considerável das economias do chamado primeiro mundo com guerra no terceiro mundo (via exportação de armas, por exemplo). O escritor Anders Lustgarten escreveu um artigo muito interessante para o The Guardian abordando exatamente a questão que coloco:

Em toda a raiva sobre a migração, uma coisa nunca é discutida: o que fazemos para causá-la. Um relatório publicado esta semana pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos revela que o Banco Mundial deslocou um impressionante número de 3,4 milhões de pessoas nos últimos cinco anos. Ao financiar privatizações, grilagem de terras e barragens, por apoiar empresas e governos acusados ​​de estupro, assassinato e tortura, e por colocar 50 bilhões de dólares em projetos classificados como de grande risco de impactos sociais “irreversíveis e sem precedentes”, o Banco Mundial contribuiu enormemente para o fluxo de pessoas pobres/empobrecidas em todo o mundo. A única coisa mais importante que podemos fazer para impedir a migração é abolir a máfia do desenvolvimento: o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, Banco Europeu de Investimento e do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento. Um segundo muito próximo é parar a bombardear o Oriente Médio. O oeste destruiu a infra-estrutura da Líbia, sem qualquer pista sobre o que iria substituí-la. O que sobra é um estado de vácuo comandado por senhores da guerra que estão agora no centro do contrabando de pessoas no Mediterrâneo. Estamos justo por trás do regime de Sisi no Egito que está erradicando a primavera árabe, reprimindo os muçulmanos e privatizando infra-estrutura a uma velocidade alarmante, tudo isso empurra um número enorme de pessoas para os barcos. Nosso trabalho passado na Somália, Síria e Iraque significa que essas nacionalidades estão no topo da lista de migrante

Recentemente a chanceler sueca Margot Wallstrom deu declarações que desagradaram à Arábia Saudita, para além de todo o debate específico sobre suas declarações – e hipocrisias -, sobra uma questão: E o comércio bilionário da indústria sueca de armas com não apenas a Arábia Saudita, mas com outros Estados francamente terroristas e ditatoriais?

Sem dúvida precisamos lidar com o problema que impõe a migração em massa hoje, mas de nada adianta apenas tentar enxugar o oceano com um pano, é preciso tratar das causas que levam à migração e, em especial, a migração em massa.

De nada adianta apenas deslegitimar como “fascismo” – embora haja muito disso – a percepção de parte da população europeia de que estão sendo invadidos. São, de fato, milhares e milhares de imigrantes que chegam todos os dias à Europa que, de quebra, enfrenta uma crise sem precedentes.

Nada justifica receber mal estes imigrantes ou usá-los como bodes expiatórios para mascarar as políticas criadas pelos próprios governos europeus, mas tampouco soluciona o problema apenas gritar que um lado é intolerante e, como acontece, dizer que os imigrantes tem que continuar vindo porque a “Europa merece por tudo que fez quando colonizou o mundo” – acreditem, já ouvi várias vezes este discurso.

Sim, a Europa fez muito (mal), o colonialismo deixa marcas até hoje, se reproduz, mas não vejo onde acirrar ânimos ou mesmo pregar uma versão estranha de vingança seja a solução. Como já escrevi:

A esquerda não é capaz de debater os medos da população que, em boa parte, acredita estar sendo “islamizada” e invadida, um sentimento que não é totalmente deslocado. A esquerda também não foi capaz de demonstrar para esta população que em grande parte o crescimento do fundamentalismo e da imigração (i)legal vem das ações de seus próprios Estados contra a África e o Oriente Médio. Ora, recentemente o presidente de Burkina Fasso foi deposto pela população e, ao invés de ser preso e julgado, fugiu do país com ajuda da… França. Ou seja, o antigo colonizador continua a ajudar aqueles líderes que fazem seu trabalho sujo e mantém países em situação de miséria e controle ferrenho.

É impossível que a situação ou o sentimento de invasão na Europa mude enquanto a presença da Europa no mundo não mudar também. Mas descartar como simples preconceito ou “nazismo” o sentimento de amplas camadas populares em relação aos imigrantes é querer fechar os olhos para a realidade e acabar entregando de vez o jogo para a extrema-direita.

Um sentimento nada desprezável

Precisamos debater seriamente a questão da migração, mas buscando argumentos verdadeiros e buscando especialmente entender os sentimentos não apenas dos europeus, mas dos imigrantes de todo o mundo. Porque migram? Quais são seus sonhos? Querem mesmo migrar ou são levados pela impossibilidade de viver em sua terra? O que podemos e devemos fazer para tornar o/seu mundo mais justo?

No dia 20 de abril ministros de interior e exterior europeus se reuniram e firmaram um programa de 10 pontos para lidar com a imigração e as crises humanitárias relacionadas. Alguns pontos interessantes, mas em geral nada que altere a realidade. Devolver imigrantes ilegais? Para onde? Para serem mortos pela ISIS, por exemplo? Combater contrabandistas? Isto vai realmente resolver o problema? Ao que parece o interesse da Europa é dificultar a chegada de imigrantes ilegais, mas sem combater as causas da imigração (em massa). Uma nota que seria cômica, não fosse trágica é a da declaração do primeiro ministro inglês David Cameron à BBC de que a marinha inglesa estava pronta para ajudar no resgate de reugiados, mas nem pensar receber estes refugiados no Reino Unido.

Sem dúvida estamos diante de um homem de coração imenso. Imenso e podre.

Não é uma surpresa que a Anistia Interncional tenha considerado o plano como “totalmente inadequado” e “quase além das palavras”.

É importante a adoção de medidas para evitar a alta mortandade de imigrantes que tentam cruzar o mediterrâneo, assim como medidas para integrar e recebê-los, porém não pode ficar só nisso. A Europa irá continuar a receber milhares de imigrantes em situação desesperadora que acabarão nas ruas e periferias, sem emprego e sem esperanças e ponto? Sim, a Europa precisa assumir sua responsabilidade e mesmo receber o máximo de imigrantes que puder comportar, mas sem tratar das causas, os remédios adotados terão sempre prazo de validade curto e efeitos colaterais terríveis.

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