Hesitei um pouco em entrar nessa confusão entre (alguns) ativistas negros e o Rafucko por uma série de razões, dentre elas a de estar francamente de saco cheio de boa parte desses movimentos que se anto-intitulam donos na verdade absoluta e cuja palavra não é só a verdade, mas uma ordem. Mas vamos lá…
O caso é relativamente simples.
O excelente ativista e artista (ou artivista) Rafucko fez uma instalação na qual busca criticar a violência da PM contra a população das favelas (majoritariamente negra) pegando as Olimpíadas como gancho e de quebra criticando a mercantilização (de tudo). Em resumo, ele produziu “suvenires” extremamente controversos (sandálias com fotos de negros sendo revistados, caveirão de pelúcia, carro de brinquedo com furos de bala da PM, etc), colocou o logo oficial das olimpíadas em cada um deles e resolveu vendê-los.
Pra mim, uma jogada de mestre, em que ele produz uma arte extremamente impactante e ainda faz uma crítica poderosa ao mercado e às olimpíadas.
Mas muitos não viram dessa forma.
O @marcuspessoa fez uma série de tuítes que reproduzo a seguir e que resumem a situação:
Tem uma crítica muito idiota que foi feita ao Rafucko: “você está vendendo sandálias, as pessoas vão literalmente pisar nos negros”. O grande problema foi esse, enxergarem como se fosse uma loja convencional, quando é na verdade uma instalação artística. Fui ler melhor e vi que o Rafucko retirou os itens criados por ele para a exposição, substituindo por souvenirs oficiais. Uma capitulação. Parece que hoje a arte tem que se dobrar à gritaria da internet. Uma pena.
O Marcus faz referência à Carta Aberta publicada pelo Rafucko em que ele se desculpa e informa que retirará suas obras – o que acho lamentável, pese respeitar a decisão.
O @joaoninguem também fez um comentário muito interessante:
sobre treta monstruário: fico na dúvida se + triste é a raiva direcionada contra artista q tenta exatamente satirizar violência do Estado [ou] se é o fato dele ter q vir a público explicar própria obra, ou ainda o fato da exposição ser alterada e perder toda sua potência irônica.
Sobre os anti-souvenirs do Rafucko, o @laioncastro arrematou:
Os anti-souvenirs são “lembrancinhas” de um Rio de Janeiro que não querem que o turista, consumidor e entusiasta dos grandes eventos, veja. A função simbólica do objeto “souvenir” é, assim, invertida: lembremos daquilo que não se quer lembrar. Esse movimento curiosamente reaproxima o próprio “souvenir” de seus étimos, que denotam “fazer vir à tona o que estava submerso”. Os anti-souvenirs do
@rafucko são, portanto, uma expressão crua do horror, da face oculta da Cidade Maravilhosa; são documentos da barbárie. Daí os caras falam em “mau gosto”. Eu chamo de incômodo. E é claro o propósito de incomodar na arte do@rafucko. Daí os caras falam em superficialidade. Vocês já foram abordados por vendedores de souvenirs? Isso faz parte do código, ora essa!
Temos ainda o poderoso texto do Rodrigo Monedesi, que reproduzo parte e recomendo que leiam inteiro:
Rafucko denuncia a banalização com que as imagens intoleráveis de assassinato e opressão contra os negros circulam e são vendidas na nossa sociedade.
Ele recria a linha de produção inteira: da escolha das imagens, passando pela produção dos objetos e chegando até o ponto de vendas.
Depois desta obra nenhum objeto oficial de souvenir das Olimpíadas 2016 poderá ser vendido da mesma forma.
Rafucko destrói a possibilidade de inocência e neutralidade dos ícones Olímpicos 2016.
Ele expõe, com o seu trabalho, todo o cinismo e a violência que se esconde por trás deste megaevento.
O obra de Rafucko corrói o verniz de paz e harmonia nas Olimpíadas 2016 e nos mostra, com frieza e objetividade, a verdade que se esconde nos outdoors, tapumes e propagandas oficiais.
Acho até que ele foi corajoso ao utilizar o ícone oficial dos Jogos Olímpicos e uma capa do referido jornal. Podendo ser processado por isso.
Acredito que seria mais útil se nós gastássemos nossa energia e nosso tempo combatendo aqueles que realmente lucram e se aproveitam da opressão contra os negros.
Nós sabemos muito bem quem eles realmente são.
Sobre críticas
Eu entendo (algumas) as críticas, quando vi o projeto pela primeira vez levei algum tempo para digerir, porque é impactante (e a intenção era exatamente essa), mas uma coisa são críticas, outras são gritos incongruentes da turma que determina o que é a verdade.
Uma crítica válida foi a de que ele poderia ter conversado com parentes das vítimas dos crimes que ele iria retratar, como o carro com marcas de bala – e esta crítica não veio da “militância”, mas de quem deplorou os ataques contra ele -, porém ele não tinha que dar NENHUMA satisfação a iluminada/os de Facebook que se acham dona/os de lutas sociais (retomarei este ponto).
Raras foram as críticas em relação ao CONTEÚDO da instalação do Rafucko. Ele foi atacado por ser branco, por não ser da favela, por não ser pobre… Ele foi atacado, não sua arte. A base para desautorizar sua arte era quem o artista era (e é).
Alguns textos até tentaram ponderar, mas no fim caíram na mesma questão: O Rafucko é branco, logo, está errado. Essa turma fala tanto em “construção”, mas o branco (e o homem) não constroem ou desconstroem nada, estão apenas errados por princípio.
1 – Quantos favelados participam desse projeto?2 – Ele pode vender um produto que fala de uma realidade que ele não vive?3 – Por que o mesmo público que compra os produtos feitos pelo Rafucko, não comprariam tais produtos se feitos por uma mulher, ou homem negro e/ou periférico?4 – Se Rafucko está errado, parcial, ou completamente por essa exposição, quem tem propriedade para critica-lo ou defende-lo, você, mulher ou homem branco vizinhos de Rafucko, ambos moradores da Zona Sul?
Respostas:
1. E daí? Porque algum “favelado” teria de participar de uma obra artística do Rafucko para esta ter legitimidade? A voz do artista não pode ser expressada? Mas é bom lembrar, participam do MonstruáRio 12 artistas, 6 deles da periferia, ou melhor, 6 deles socialmente aceitos pelos “críticos”.
2. Sim. Picasso não poderia ter pintado o Guernica por não ter estado na cidade durante o bombardeio? Ou, voltando à questão anterior, só poderia pintar o Guernica se algum sobrevivente o ajudasse?
3. Quem disse? Onde está a bola de cristal? Algum artista negro/periférico fez o que o Rafucko fez para termos alguma comparação?
4. Qualquer um que tenha cérebro tem propriedade para criticá-lo e para defendê-lo, independentemente de cor e classe. Ou agora é preciso ter selo de aprovação de “movimento” pra poder falar?
O texto segue com algumas pérolas e contradições, destaco duas:
“‘Todos temos o direito de defendermos os negros’, é o princípio que muitos usam para garantir que os negros sigam sem comandar sua própria defesa.” e “Você é defensor dos direitos Humanos, beleza. Mas no que você contribui para que os favelados possam se auto defenderem?”
Então não pode defender o negro – porque isso é impedir que eles se auto defendam -, mas tem que defender/contribuir pra que eles possam se auto defender? Não faz nenhum sentido.
E o contrário das críticas: A estupidez.
Li alguns textos e comentários que me fazem desacreditar completamente da possibilidade da esquerda sair da lama na qual se encontra, textos de doer mesmo. Isso sem falar nas ameaças.
Tem de tudo, daquele velho “vocês brancos” ao “eu não apoio esquerda branca”, uma promoção básica de apartheid às avessas que setores movimento negro de Facebook tem se especializado em espalhar. Tudo de errado no mundo é culpa do branco, sendo todos eles opressores independentemente do que façam, apenas porque existem e respiram. E ai do branco (aqui tomado como uma frase ofensiva) que sequer tentar ser solidário com outros, porque está errado.
Na página do evento/exposição o “argumento” geral é que o Rafucko é branco. É de “esquerda branca”, logo, é apoiador da Ku Klux Klan. Ponto. Exemplo:
Travestido de democracia racial, travestido de liberdade de expressão sempre teremos o discursos carregado de valores/conceitos da supremacia brankkka (uso 3 k em referencia a Ku Klux Klan), pois, o pensamento ocidental universal traça o perfil do afrikano em diáspora/continental com o inferiorizado e reforçado esteriótipos.
A incapacidade de certa/os “ativistas” de enxergar o inimigo é tanta que para uma Rafucko é racista.
Sim, por retratar o racismo da sociedade e os crimes contra os negros – mas não como ela gostaria -, ele virou… racista. Às vezes eu penso que esta turma de Social Justice Warriors quer manter tudo como está. Não tem real interesse em mudar nada, se sentem confortáveis em seu “protagonismo”. Preferem deixar tudo como está, mas se mantendo na posição de lideranças, falando como gurus, sendo louvados. Oras, se tudo mudar o que acontece com a posição de destaque deles? É nisso que se resume. Não querem sombra à sua luz.
O impressionante é como conseguem se manter no pedestal com argumentação tão rasa e sendo tão fácil desmontar seus absurdos. Vejam a imagem linkada, vale à pena.
Conclusão
Sejamos claros, uma coisa é tecer críticas à arte, à exposição, outra é atacar o artista da forma como foi feito e, pior, acreditar que gritar “branco” é, em si, uma crítica e não apenas falta de noção de uma turma que parece transtornada. Esses movimentos substituíram argumentos, debate e mesmo luta por chavões vazios e palavras de ordem em “coletivos” de 3 pessoas no Facebook. Ninguém é DONO de nenhuma luta. É dever de todos combater opressões e lutar pelos direitos humanos, nenhum ser ou grupelho iluminado pode declarar posse de uma luta ou gritar que detém exclusividade sobre ela.
Se partirmos do princípio de que só vítimas podem falar ou agir então vamos simplesmente acabar com toda ajuda humanitária do mundo. Ninguém mais vai ajudar em anda. Não vai ter doações, campanhas, Médicos Sem Fronteira, nada. Só as vítimas, abandonadas, vão agir por si. Se puderem, claro, senão…
Sim, no fundo o raciocínio (sic) é esse.
“Lugar de fala” e outros termos que já tiveram algum sentido foram esvaziados por Social Justice Warriors que usam tais termos como chavões quando não tem mais como argumentar. Oras, como você vai atacar uma pessoa que te defende? Não com argumentos ou racionalidade.
Eu não preciso ser negro pra lutar contra racismo, não preciso ser mulher pra lutar contra machismo e nem ser LGBT pra lutar contra homofobia.
Claro, estou usando um recurso de generalização apenas para que o texto flua, não estou afirmando que sejam TODOS nos movimentos ou todo o movimento, mas sem dúvida parcela significativa foi tomada pelo vírus Social Justice Warrior, aquele que te faz atacar antes de pensar (aliás, sequer há espaço para pensar, só repetir e agredir), que te faz ver inimigos em todos os lados e que te força a buscar “safe spaces” – lugares onde você pode espalhar o ódio contra outros sendo apoiado(a) por seus pares – ou usando o Facebook para amplificar sua estupidez.
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